Aturdidos pela rápida ascensão das forças de extrema direita, não sabemos como nomeá-las. O mérito de Wendy Brown, professora de ciência política na Universidade da Califórnia em Berkeley, é pôr esse evento em perspectiva numa análise que mantém a heterogeneidade dos elementos envolvidos. Por um lado, os dispositivos já familiares do neoliberalismo: privatização do Estado, desmonte da solidariedade social, financeirização e corrosão da democracia. Por outro lado, de dentro da democracia liberal-capitalista, emerge seu aparente oposto: nacionalismo, conservadorismo cristão, racismo e masculinismo branco. Agregando ambos, a nova direita bate-se de maneira agressiva, debochada e deletéria contra a ciência, a laicidade e as instituições democráticas, ao mesmo tempo em que exibe uma feroz e oca vontade de potência. Embora seus componentes pareçam familiares, estamos diante de uma formação relativamente inédita. A leitura neomarxista e foucaultiana de Brown nos mostra que o projeto neoliberal que deu à luz seu filho bastardo foi gestado desde a 2ª Guerra Mundial: para blindar o capitalismo do “perigo” representado pelo poder popular e a intervenção estatista, a cidadania deve ser rigidamente cerceada. Mais tarde, economistas como Friedrich Hayek elaboram o projeto mercado-e-moral: a partir da lógica de mercado, trata-se de moldar o Estado, a moral e a lei; no lugar da igualdade e da solidariedade social, agora as famílias são responsáveis pela educação moral e social dos indivíduos sob o modelo do capital humano, vale dizer, a formação da massa de empreendedores de si a partir de uma gramática individualista e hipercapitalista.