Misto único de conflito familiar e crise política, de amor e ódio entre pais e filhos, Rei Lear evoca o niilismo da modernidade ao mesmo tempo em que opera a história do século XVI e das primeiras décadas do século XVII. Muitas vezes considerado o ápice da produção dramática de Shakespeare, Rei Lear começa quando um rei idoso, em busca de um sucessor, acaba por escolher duas filhas indignas de sua confiança, em vez daquela que o ama. Por conta desse erro, ele se vê despojado de seu poder, condenado a uma vida miserável de horror e insanidade. Nenhuma peça de Shakespeare foi tão longe na junção de traços grotescos, fantásticos e violentos, nos contrastes do humano, em cenas absurdas e impactantes repletas de ardis improváveis que envolvem a mente do leitor numa névoa que se mostra cada vez mais uma poderosa criação narrativa. O elo de Rei Lear com a contemporaneidade fica evidente seja no caráter niilista ou nas insinuações pré-psicanalíticas da obra. Situada em um universo impiedoso, a tragédia sombria e brutal de Shakespeare é uma obra-prima imponente e fundamental, uma poesia feroz e de amplo escopo imaginativo.